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Na prática: a indexação do crédito trabalhista após a decisão do STF.


Os obstáculos processuais que vêm surgindo para aplicação dos efeitos de modulação definidos nas ADCs 58 e 59 em relação aos processos trabalhistas em fase recursal.

Carine Aparecida de Santana Bellini é advogada no Estigaribia Advogados, especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Metodista de Piracicaba/SP e em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Superior da Advocacia de Americana/SP. Possui curso de extensão em Compliance Digital e Proteção Geral de Dados pela PUC Campinas/SP.

O presente artigo aborda as questões de ordem prática que vêm surgindo para que sejam aplicados os efeitos da modulação ordenada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos das ADCs 58 e 59, na última sessão de 2020 , especificamente aos processos em fase recursal no âmbito dos Regionais e do Superior Tribunal do Trabalho.

Antes de enfrentarmos o cerne da discussão, cabe-nos trazer os motivos pelos quais a questão alusiva ao índice aplicável à correção monetária e juros foi levada ao Supremo Tribunal Federal.

A questão vinha sendo objeto de muita polêmica, com decisões judiciais e posicionamentos doutrinários díspares, isso mesmo após a Reforma Trabalhista, que também tratou do índice aplicável à atualização monetária dos créditos trabalhistas. O que parecia colocar "pá de cal" sobre a contenda, em verdade serviu para tornar a questão ainda mais controvertida.
   
Nesse contexto, foram ajuizadas duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs nos 58 e 59), respectivamente pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro e pela Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação bem como duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs nos 5857 e 6021) pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra. Por meio das ADCs, as Confederações pretendiam a aplicabilidade da Taxa Referencial – TR para a correção dos débitos trabalhistas, nos moldes elencados pelos arts. 879, § 7°, da CLT e 39 da Lei n° 8.177/91, ao passo que, nas ADIs, a Anamatra sustentava-se que as normas tidas por inconstitucionais ofendiam o direito de propriedade e a proteção do trabalho e salário dos trabalhadores.

Em 27/06/2020, foi deferida a liminar em Medida Cautelar na ADC 58/DF para determinar “a suspensão do julgamento de todos os processos em curso no âmbito da Justiça do Trabalho que envolvam a aplicação dos arts. 879, § 7º, e 899, § 4º, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017, e o art. 39, caput e § 1º, da Lei 8.177/91 ".

E, na última sessão plenária do ano de 2020, mais exatamente no dia 18/12, no julgamento conjunto das ADCs e das ADIs supra mencionadas, o Supremo Tribunal Federal, por maioria que acompanhou o voto do Relator, Ministro Gilmar Mendes, concluiu que é inconstitucional a aplicação da TR para a correção monetária dos débitos trabalhistas, definindo que, enquanto o Poder Legislativo não deliberar sobre a matéria, devem ser aplicados o IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a taxa Selic.

Importante ressaltar que, para concluir pela inconstitucionalidade da TR, a Suprema Corte pautou-se no fato de que a aplicação da Taxa Referencial não reflete o poder aquisitivo da moeda, de modo que se faz necessário utilizar na Justiça Especializada o mesmo critério de correção aplicado nas condenações cíveis em geral, mormente porque a Selic é reputada como taxa básica dos juros da economia, retratada pelo Comitê de Política Monetária como conjunto de variáveis segundo as quais se estabelece a expectativa de inflação e os riscos associados à atividade econômica.

Por conseguinte, o STF modulou os efeitos da referida decisão, que tem efeito vinculante e eficácia erga omnes, firmando as seguintes diretrizes:

i.    deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, o IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a taxa SELIC, para a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e a correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho;

ii.    são reputados válidos e não ensejarão nenhuma rediscussão (na ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória) todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), em tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais), e os juros de mora de 1% ao mês;

iii.    devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (índice com a inclusão dos juros e correção monetária) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento (independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal);

iv.    encontrando-se o processo em sede de execução de sentença, em que na fase de conhecimento tiver havido decisão com trânsito em julgado, e que expressamente adotou, na fundamentação ou no dispositivo, a TR ou o IPCA-E e  juros de mora de 1% ao mês, a referida decisão deve ser mantida e executada; e

v.    encontrando-se o processo em sede de execução de sentença, isto é, com trânsito em julgado da decisão proferida na fase de conhecimento, a atualização dos créditos e a correção dos depósitos recursais dar-se-ão nos termos do item 1 supra (incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, incidência da taxa SELIC), desde que, na decisão judicial transitada em julgado, não tenha nenhuma manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros, ou seja, desde que configurada a omissão quanto aos referidos índices ou quando haja simples consideração de que a correção deve seguir os critérios legais.

É exatamente sobre a situação descrita no item III que se volta o presente artigo, que não tem a pretensão de esgotar a matéria.

Por hipótese, Imagina-se a seguinte situação jurídica-processual: a sentença de primeiro grau havia fixado a TR como índice de correção monetária e juros de 1% ao mês, no entanto a parte reclamada apresentou recurso contra outras matérias, mas não recorreu quanto ao índice, já que até então a Taxa Referencial era mais favorável que o IPCA-E à reclamada.

Sobreveio o acórdão após 18/12/2020 (julgamento das ADCs 58 e 59), de modo que, oportunamente, a reclamada opôs embargos de declaração requerendo a aplicação dos efeitos de modulação – já que a hipótese se enquadra no item III da modulação – e, de forma sucessiva, requereu o prequestionamento da matéria.

Os Regionais, especialmente o Sodalício da 15ª Região, vêm rejeitando os embargos declaratórios ao argumento de a matéria sequer foi ventilada nas razões recursais (do recurso ordinário) e que a via não é adequada, daí por que necessária a interposição de Recurso de Revista.

Ao exame da revista, na grande maioria dos casos, os Tribunais Regionais têm denegado seguimento ao recurso sob o fundamento da ausência de prequestionamento e preclusão da matéria nos moldes da súmula 297 do C. TST. Novamente surge a necessidade de interposição de agravo de instrumento ao qual invariavelmente o C. Tribunal Superior nega seguimento.

Como se vê, na prática a modulação proferida pelo STF não está sendo aplicada aos processos em fase recursal pelos regionais e o próprio TST, através de obstáculos processuais, em total dissonância com os princípios da celeridade e economia processual, ceifa a possibilidade de ordenamento das decisões segundo os parâmetros modulados pela Corte Suprema.

Onde está a segurança jurídica?

Ora, se a controvérsia acerca de questão jurídica já foi pacificada por tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal em ação de controle de constitucionalidade, cabe a todas as instâncias do Poder Judiciário aplicá-la aos casos concretos, mormente diante do disposto no parágrafo 2° do art. 102 da CF, no sentido de que "as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal".

Daí a necessidade de interposição de reclamação ao Supremo Tribunal Federal, nos termos dos arts. 102, I, l, e 103-A, § 3º, ambos da Constituição Federal, com o objetivo de cassar a decisão reclamada e determinar que a autoridade reclamada observe os parâmetros fixados na ADC 58, ADC 59, ADI 6021 e ADI 5867  

À vista da soberana decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos das ADCs 58 e 59, com efeito vinculante e eficácia erga omnes, espera-se que sejam prontamente aplicados pelos tribunais regionais, inclusive o TST, o comando cogente edificado, evitando-se, assim, o abarrotamento de reclamações no STF, já que é o único meio processual cabível contra decisão que recusa a aplicação dos efeitos de modulação proferido pelo Supremo.